Apesar de muitas pessoas acharem que eu sou louca pois quando eu vou ao meu trabalho eu escolho o transporte público. Sou Paulista e como todos sabem passo a maior parte da minha vida no trânsito. Dirigir é uma das coisas que fazem eu me sentir livre e leve, mas acabo preferindo aproveitar as minhas horas em filas indianas incansáveis fazendo algo que eu amo: ler. Sinto que é muito mais vantajoso e proveitoso me desligar e me distrair do caos lá fora enquanto um livro pode me oferecer reflexão sobre a vida, abre a minha visão sobre o mundo e dependendo do livro e do momento da minha vida, parece que o autor está conversando comigo.
Por conta da noite anterior, eu resolvi reler os sete livros do filme. Será que eu vou sentir as mesmas emoções? Será que eu me lembro de todos os detalhes? Será que o envolvimento vai ser tão intenso como quando eu tinha os meus 14, 15 anos? Fiquei super curiosa e não resisti. Tem coisa melhor do que voltar no tempo? Sei lá, o mundo dos adultos é maravilhoso, não posso negar. Ter a minha independência, ter as minhas coisas, oferecer ajuda aos outros e conquistar o meu espaço, todas essas coisas são realmente de tirar o fôlego, mas adoraria voltar à minha adolescência com o amadurecimento, visão de mundo e os pensamentos que eu tenho hoje. Com certeza teria feito muitas coisas diferentes.

Assim que eu abri a primeira página, senti um perfume pairar pelo ar, me lembrei que a cada livro eu gostava de deixar o meu cheiro favorito do momento. Apesar do aroma estar bem suave, ainda consigo sentir o cheiro super adocicado do perfume que toda adolescente usou pelo menos uma vez na vida, aquele que tem um frasco rosa bem vibrante chamado Egeo. Fiquei espantada com o tanto de carinho e capricho que eu tive lá atrás, mas que em algum momento do meu passado, se perderam.
Fechei o livro e quando eu o peguei para sentir um pouco mais do perfume que me fez voltar à minha juventude, vi que havia um marcador, um pouco mais grosso do que os normais. Abri na página marcada e me deparei com um envelope com o meu nome escrito à mão… Aquilo foi tão inesperado que eu fiquei o encarando durante um tempo que parecia uma eternidade. A letra era familiar, digo isso porque era minha, de quando eu tinha por volta de 14 a 15 anos.
Encontrar o envelope fez o meu coração acelerar, como uma criança que fica toda excitada quando vê os pais trazendo um saco plástico cheio de balas, chicletes, chocolates, caramelos, dadinhos, etc.

No fim, acabei passando todo o tempo restante do trânsito entre o meu apartamento até o escritório onde eu trabalho, admirando o envelope. Fiquei tão intrigada com aquele envelope misterioso e nem reparei quando o ônibus parou no ponto final para integração do metrô.
Já no metrô, não consegui achar um assento para sentar e como sempre estava lotado. O máximo que eu fui capaz de fazer, no restante do percurso, foi me segurar na barra para não cair ou me apoiar às pessoas ao meu redor.
Trabalho num escritório de contabilidade, sou contadora sênior, às vezes eu tenho a leve impressão que eu lido mais com planilhas do que com as pessoas. A minha família inteira é formada na área financeira, então acabei seguindo o mesmo caminho. Graças à isso, hoje tenho estabilidade e não passo vontade, moro sozinha, pago as minhas contas e comprei o meu primeiro carro zero.
Eu sempre pensei que quando eu conquistasse a minha independência, eu seria muito feliz, afinal tem coisa melhor do que você se bancar? Mostrar para sua família e para você mesma que correu atrás e alcançou um dos muitos objetivos de sua vida? Mas confesso que ainda sinto um vazio, como se estivesse faltando alguma coisa em mim, como se ainda eu não estivesse completa. Nem preciso dizer que essa é uma das questões que abordo nos meus domingos né? Aliás aqui tem um texto muito bom sobre o que penso dos domingos.
O dia de trabalho foi relativamente produtivo, um pouco corrido para falar a verdade. Não sei se é impressão minha e coisa da minha cabeça, mas parece que quanto mais perto chegam as férias, o volume de trabalho triplica. Eu até gosto dessa fase cheia de adrenalina, pois parece que o tempo passa muito mais rápido e me sinto muito mais viva.
Adoro quando eu passo a maior parte do tempo me concentrando nas minhas planilhas, os meus pensamentos também se voltam nos números que eu vejo pela minha frente. Sinto um alívio quando deixo os meus problemas de lado e me volto totalmente ao meu trabalho, sabe?
As perguntas incansáveis e não respondidas são, de uma forma ou outra, de enlouquecer e me tirarem do sério.
Continua…
